terça-feira, 23 de março de 2010

The Revolution will not be televised!!!


Não tenho TV em casa.

E verdade seja dita, não aspiro a adquirir uma. Gostaria de dizer "para sempre", apesar de, no que toca a estes objectos específicos, não podermos pré-determinar nada, a história da televisão enquanto influenciador de massas pesa demasiado sobre a minha pequena figura de naysayer. E porque, enfim, nem sempre fui insensível ao tal aparelho. Posso até dizer que o tal faz parte de grande parte das memórias do meu passado ou mesmo do meu imaginário, e ainda não percebi se deva ficar nostálgico ou triste com esse facto.



Lembro-me de, em criança, acordar todos os Sábados e Domingos religiosamente ás 8 da manhã para de pijama ir ver os desenhos-animados, programa matinal que ocupava as 3 horas seguintes. Lembro-me que a primeira novela que vi com atenção foi o "Pedra sobre Pedra". Lembro-me de, nas manhãs antes da primeira aula do dia nas escolas Preparatória e Secundária, o assunto a ser discutido serem as incidências dos programas da noite anterior, coisas tão irrelevantes e insípidas como o Johnny Bigodes do "Ai, os Homens" ou a rábula do "ponha, ponha, ponha..." de um rapaz que queria superar o medo de ter um lagarto aconchegado na sua careca reluzente (e que careca!). Lembro-me de uma cassete que um primo meu trouxe da Suiça com vários desenhos-animados japoneses, entre eles o "Dragonball", dobrados em francês, e de, passado uns anos, sentir um orgulho enorme por já conhecer os mesmos quando apareceram na TV e causaram um furor nunca visto antes no nosso burgo. Lembro-me da minha primeira memória de um jogo de futebol, um Sporting - Benfica, em que a imagem que me ficou marcada foi a de o Paulo Futre, na altura no Benfica e a patrocinar inscrupulosamente a Fnac, no acto da entrada cronometrada das equipas em campo, em filas indianas paralelas, ter levado o polegar esquerdo à narina esquerda, apertando-a, e soltado em seguida e sem aviso um jacto de langonha de proporções inquantificáveis pela narina contrária directamente para o relvado, sem com isso perder a compostura e a sincronização da entrada das equipas em disputa. Lembro-me de pensar, no alto dos meus 9 anos de idade, que, realmente, lenços para quê? Naquele momento jurei um dia tornar-me um Paulo Futre.

No meio disto, lembro-me muito vagamente das primeiras miúdas que apalpei. Lembro-me da primeira por quem me apaixonei, chamava-se Mónica, tinha uns cabelos loiros encaracolados lindos, foi aluna da minha mãe até à segunda classe, altura em que partiu para a África do Sul com os pais, deixando-me para trás de coração despedaçado (já agora, se por acaso leres, Mónica, estou ainda solteiro e bom rapaz). Lembro-me de ter sido a outra parte activa no meu primeiro beijo, do qual não tenho grande memória. Não quero arranjar muitas desculpas, era jovem, estava nervoso, o sol batia forte naquele dia, e daria jeito um iPhone para filmar o momento, mas eram os anos noventa, pós-bigode e pré-reality-tv.

De alguma forma lembro-me bem melhor de eventos e acontecimentos nos quais fui um observador passivo do que dos eventos e acontecimentos que, como parte activa que fui, me marcaram e definiram. Consigo lembrar-me de cor de programas de variedades, sitcoms, novelas, filmes, talk-shows, telejornais, anúncios publicitários, entre outros, pelos quais passei a vista ao longo dos meus anos de consumidor inveterado. Alguns desses programas definiram o contexto espacial e temporal de parte do meu círculo social. Assim sem preparação, nomeio os jogos de futebol. Um evento social per se no meu país natal, uma cambada de gente junta-se semanalmente numa tasca e convive durante 2 horas à volta de uma sequência de eventos totalmente aleatórios como um remate ou um lançamento-de-linha, comentando-os até à exaustão, afirmando orgulhosamente uma afiliação clubística que não é muito mais que um desejo de pertença a um grupo numeroso de indivíduos, chamemos rebanho. Conheci gente cuja relação com o seu pai assentava no visionamento conjunto dos jogos da equipa lá da casa (e quem acha que os jogos de futebol são um fenómeno dissociável da televisão, pense um pouco se já não pensou uma vez que seja ao ver um jogo no estádio "epa, dava jeito um replayzito".... Isso ou tem acesso a um camarote VIP, com direito a televisão para os replays).

Outro exemplo seria a ida social ao cinema. Aqui separo a ida com o propósito específico de se ir ver um filme no qual se está genuinamente interessado, da ida "social", em que se vai com um grupo de pessoas, e acaba-se por se eleger democraticamente um filme que preencha o máximo de requisitos comuns aos participantes. Sem esquecer, claro, a ida de casais, um fenómeno sui generis em si, em que se acaba por ver "aquilo que ela quiser". Em ambos os casos, acabam as pessoas por assistir passivamente a uma sequência de imagens que, provavelmente, não vai ser lembrada daí a duas semanas. Seria interessante também ponderar nos acidentes de carro provocados pelos horários totalmente fascistas dos programas de televisão, que obrigaram durante anos a fio os seus espectadores a passar sinais vermelhos e a outras infracções graves e muito graves, um problema que estas novas TVs digitais vieram corrigir, afinal agora sempre se pode gravar e ver um pouco mais tarde, as inovações chegam sempre tarde demais para alguns.

Sem querer perder a carga nostálgica do "poste", e não desprezando o rol infindável de exemplos que ainda ficaram por contar, pergunto-vos, e isto para quê, exactamente? Nos últimos 20 anos passaram-se acontecimentos importantíssimos, que definiram tudo o que estamos a viver agora, e falo a nível político, económico, enfim, aquele do qual não gostamos de falar mas que define a nossa qualidade de vida e o que somos socialmente. A Perestroika, a queda do Muro de Berlim, a guerra do Golfo, o desmembramento e guerra jugoslavos, o alargamento da EU a (quase) toda a Europa, o tratado de Maastricht, o Euro (a moeda, não o campeonato europeu de futebol), o 11 de Setembro, o Tratado de Lisboa, a recente consequente crise económica, entre outros eventos de menor ou maior importância. E em todos eles desempenhámos o papel de fiel telespectador, seguindo os acontecimentos e as informações de última hora, rejubilando com as vitórias e tremendo com as derrotas, do fundo da cova com a forma do nosso rabo nos sofás. O Euro subiu na Bolsa, o Euro desceu na Bolsa. O Obama venceu, o Osama fugiu outra vez. O Tratado está a ser estudado, o Tratado está a ser julgado, o Tratado foi aprovado. O povo falou, disseram eles, e nós aprovamos, sempre do fundo dos sofás. Do fundo dos sofás assistimos sem pestanejar aos acontecimentos que os Senhores do Mundo representam, puxando os cordéis das marionetas nas peças, de forma a nos manter pregados a este filme, the Greatest Story Ever Told, de proporções hollywoodescas sem fim à vista. Sempre a observar.



Por isso resolvi mudar de canal. Cheguei à conclusão que, se não vou fazer parte do elenco de palco, também não vou fazer parte do público que aplaude. Vou simplesmente sair do teatro, visto que a peça não me agrada. Sei que isto não vai ser fácil para mim. Afinal, a minha vida atravessa a Geração X, a Geração Rasca, a Geração Big Brother. Posso um dia destes voltar atrás na minha decisão, recaír. Enfim, nada que não possa acontecer ao Tiger Woods, e eu não lhe vou apontar o dedo caso isso aconteça. Mas toda a cura de reabilitação de um vício,tem um substituto, e eu ando a substituir a televisão por doses animais de Internet. Continua a ser um écran, admito, mas as decisões que tomo num computador ultrapassam largamente o "zapping", que é a única função determinante de que se pode usufruir numa televisão. E, num computador, eu determino o que quero fazer e quando o faço, algo que ultrapassa largamente o carácter passivo da televisão. Até posso, sei lá, criar um site, um blog, preparar uma doutrina, espalhar uma religião, angariar crentes pagantes, viver do dízimo destes, e um dia, quando estiver aborrecido, alugo uma mansão, convido-os a todos, cantamos o Kumbaya e suicidamo-nos em seguida.

Pensem nisto.


Saudações,

Bola de Berlim

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